terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Paris Underground

O táxi desliza pela manhã de sábado. As grandes avenidas estão tranquilas; as lojas, ainda fechadas. De uma padaria vem o aroma de pão fresco. Em um semáforo, algo que se move chama a minha atenção. Um homem de macacão azul emerge de um buraco na calçada. Seu cabelo despeja-se em trancinhas de sua cabeça, na qual está presa uma lanterna. Em seguida, é a vez de uma jovem, também ela com uma lanterna, só que de mão.

A garota tem longas e esbeltas pernas saindo de um shortinho curtíssimo. Os dois calçam botas de borracha; ambos, besuntados de lama bege, feito decoração tribal. O homem põe a tampa de ferro de volta à boca do buraco e os dois disparam sorrindo pela rua.

Paris tem uma conexão bem mais profunda e estranha com seu subsolo que qualquer outra cidade. As artérias e os intestinos de Paris - os milhares de quilômetros de túneis que perfazem as redes de esgoto e de metrô, das mais antigas e densas do mundo - são apenas parte desse universo underground. Sob a capital francesa encontram-se espaços de todos os tipos: canais e reservatórios, criptas e caixas-fortes, adegas transformadas em boates e galerias. Os mais surpreendentes são as carrières - as velhas pedreiras de calcário que se espalham em uma rede profunda e intrincada, a maioria na região sul da metrópole.

Ao longo do século 19, extraíam-se desses túneis e cavernas pedras para construção. Em seguida, sitiantes cultivavam cogumelos ali. Durante a Segunda Guerra Mundial, combatentes da clandestina Resistência Francesa escondiam-se em algumas pedreiras. Alemães construíam bunkers em outras. Hoje em dia, perambulam pelos túneis uma comunidade informal, sem líderes, cujos membros às vezes passam dias e noites sob a cidade. Eles são chamados de catafilistas - literalmente, amigos das catacumbas.

Entrar nas pedreiras tornou-se proibido a partir de 1955, de maneira que os catafilistas tendem a ser jovens em fuga do mundo da superfície e de suas regras. Os veteranos dizem que a cena subterrânea floresceu nos anos 1970 e 1980, época em que o tradicional espírito de rebeldia parisiense sofreu o choque revitalizador da cultura punk. Penetrar no subsolo era mais fácil então, quando havia bem mais entradas abertas. Alguns catafilistas descobriram que podiam entrar nas pedreiras através de passagens esquecidas no porão de suas escolas. Dali, rastejavam para dentro de túneis repletos de ossos - as famosas catacumbas. Em lugares só por eles conhecidos, os catafilistas faziam festas, montavam shows e peças, criavam arte, usavam drogas. A liberdade reinava nos subterrâneos, até mesmo a anarquia.

No começo, o pessoal na superfície mal notava isso. Mas, ali pelo fim dos anos 1980, a prefeitura e proprietários de imóveis fecharam muitas das entradas, e uma unidade de elite da polícia passou a patrulhar os túneis. Não conseguiram extinguir o catafilismo. O jovem casal que eu vi subindo pela boca de lobo talvez tivesse marcado um encontro subterrâneo. Alguns dos homens com quem explorei as pedreiras conheceram suas futuras esposas nos túneis, onde trocaram números de telefone à luz de lanternas. A maioria dos parisienses tem apenas vaga consciência da extensão desse mundo que jaz sob a cidade, embora, ao viajar de metrô, eles possam estar passando por cima da ossada de seus ancestrais.

Um malabarista chamado Louis faz girar uma tocha em uma reunião dentro de uma velha pedreira. Mais de 300 quilômetros de túneis serpeiteiam pelas fundações de paris, quase todos proibidos. Mas as festas acontecem assim mesmo.


Crânios repousam em cima de uma inscrição que revela o local de descanso original de alguns entre os seis milhões de residentes das catacumbas de Paris: o cemitério dos Inocentes. O cemitério, que se localizava onde hoje fica Les Halles, na região central de Paris, foi esvaziado entre 1786 e 1788; até mil anos de restos humanos foram despejados em uma antiga pedreira. Os ossos de outros cemitérios logo se seguiram. Acredita-se que alguns dos maiores nomes da França, como Rabelais e Robespierre, estejam em algum lugar no meio do enorme ossuário.